“Imprecisões”: em coluna no Globo, Hermano Vianna comenta críticas ao Creative Commons

Em sua coluna de domingo passado, Caetano Veloso transcreveu e-mail de Joyce Moreno, apoiando a decisão da ministra Ana de Hollanda de não mais publicar o conteúdo do site do MinC sob licença Creative Commons (CC). O texto de Joyce contém imprecisões. Diz, por exemplo, que o Google patrocina o CC com “US$ 30 milhões!”. Gostaria de saber quem passou essa informação para Joyce, e se ela checou sua veracidade antes de fazer seu texto circular pela internet. O que eu sei é que o Google doou US$ 30 mil para o CC em 2006 (http://bit.ly/7GczuR) e, na última década, doou uma média de US$ 100 mil por ano. A diferença para os US$ 30 milhões é enorme.

Em 2010, o Google fez doações num valor total de US$ 145 milhões (http://bit.ly/gBad5O). Entre as muitas organizações que receberam doações estão: a Bharti Foundation, que cuida de escolarização de crianças na Índia; a Global Strategies for HIV Prevention, que melhora o acesso a medicamentos na África; o Unicef; a Ashoka; a APC. Insinuar que, ao receber doações, todos passam a trabalhar para os interesses do Google não me parece nada sensato. (E, mesmo sem doações, o Ecad tem acordo comercial com o Google – ver http://bit.ly/f1FFbw)
O CC, como a Wikipedia, é sustentado primordialmente por doações descentralizadas de indivíduos do mundo inteiro. Todo fim de ano, faz uma campanha mundial para doações. Em 2010, a campanha arrecadou US$ 522.151,25, incluindo os apoios de empresas. É possível ver os dados da campanha neste link: http://bit.ly/hrYBNP. Há uma lista de todos os doadores em http://bit.ly/aV3J9d e o relatório financeiro de 2009 pode ser consultado, na íntegra, em http://bit.ly/hpHZki. Antes de levantar suspeitas sobre a atuação do CC, todos deveriam estudar com atenção esses documentos, que são de transparência exemplar.

Outra imprecisão no texto de Joyce: o CC não é uma “licença norte-americana privada”. É, sim, uma organização não governamental que criou um sistema de licenças que podem ser usadas por criadores, organizações e empresas. A Al Jazeera acaba de licenciar as imagens das manifestações do Cairo em CC, autorizando sua exibição em todas as TVs. Ninguém é obrigado a usar as licenças se não quiser.
Voluntários de 70 países se inspiraram no trabalho do CC norte-americano e desenvolveram sistemas de licenciamentos semelhantes a partir de legislações locais. Assim foram criadas entidades independentes e separadas do CC norte-americano, que por sua vez redigiram licenças também diferentes das norte-americanas. As licenças CC-BR, criadas pelo Creative Commons Brasil (http://bit.ly/O8RVo), são totalmente brasileiras e só podem ser aplicadas no Brasil.

O conteúdo do site do MinC era publicado com uma dessas licenças totalmente brasileiras (mesmo com a inspiração norte-americana – e não entendo por que não podemos nos inspirar em boas ideias norte-americanas, afinal somos ou não o país da antropofagia cultural?), produzida por uma entidade brasileira, o CC Brasil, independente do CC norte americano. A ministra Ana de Hollanda declarou para matéria do caderno Prosa & Verso, aqui deste jornal (http://glo.bo/fiwWtL), que “o MinC só retirou o selo das Creative Commons do site, mas não o licenciamento”. Infelizmente o MinC retirou o licenciamento sim, ministra – e nada havia de irregular nesse licenciamento. Agora temos apenas uma frase vaga: “O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte.” Essa é a “licença” que vale hoje. A licença CC-BR anterior tinha outro texto, que inclusive diferenciava reprodução de publicação, como exige a Lei do Direito Autoral brasileira. Agora as pessoas podem reproduzir o conteúdo, mas ao publicá-lo em seus blogs estão fazendo algo sem autorização explícita – isso cria uma incerteza jurídica desnecessária. Por isso digo que as licenças CC levam o direito autoral mais a sério.

Tudo o que li em defesa da atitude do MinC deixa claro que o problema não era a licença. A própria ministra acredita que o licenciamento continua o mesmo. O problema era a sigla CC e o desconhecimento sobre o que é o CC. Em seu blog, Joyce escreveu (http://bit.ly/geKN1m): “Como ela (Ana de Hollanda) retirou do site do MinC o logo do Creative Commons, houve a celeuma, reclamando que ela estaria ‘se alinhando ao Ecad’ e se aliando ‘ao que há de mais conservador’. Mas peraí, pessoal: se eu entro num restaurante, faço meu prato, almoço e vou embora, não vão chamar a polícia para me cobrar o calote? Então, porque a criação alheia (alimento da alma) pode ser usada à vontade, sem que os autores recebam???” Aldir Blanc também declarou (http://glo.bo/fiwWtL): “Não há retrocesso algum em querer pagar com justiça o direito autoral dos criadores.” Não entendi o raciocínio.

Quem é contra o pagamento para autores? O CC nunca disse que criadores não devem ser pagos. E o que o licenciamento do conteúdo do site do MinC tem a ver com o pagamento para autores? Parece que a sigla CC no site do MinC era entendida como um manifesto em prol do calote aos autores. Isso é um absurdo. Repito mais uma vez: a licença CC defendia muito mais rigidamente os direitos de autor do que a frase que está no site agora.
A história da batalha pelo direito do autor começa bem antes do início do século XX. É uma bela e complexa história. O Creative Commons é parte dessa história, em defesa dos autores, da criatividade e do acesso ao conhecimento.

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